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Time crossing/Medium crossing
By Maria Amélia Bulhões, PhD*

At her first individual exhibition, Marta Penter showed several sets of antique suitcases. A will to travel in time now to be continued on her second show. With a certain intuition that past remais far more alive in present times than it us usually observed, the artist leads her work into paths miles away from an utopic ideal, therefore stating the utter complexity of all times.

Most authors agree with the principle of a collective memory existence which records successive phenomena, whereas by means of communication, institutions dedicated to that aim, such as the museums or even oral transmission. They all agree with the fact that each person builds up his own individual memory from personal experience. It is rather interesting to notice how Penter entwines both collective and individual memory. She works with great intimacy over memories which are not actually hers. The photos she uses as a visual draft for her creation are not part of a personal past records but fragments of a social community collective past. However, she chooses the pictures which register moments from that group and thus rescues living experiences. The scenes are seen by the artist with an affectionate gaze which seeks to restart a time no longer to exist. According to her, \\\\\\\" memory is in black and white\\\\\\\", which led her to totally abandon the colors she subtly and rather monochromatically used in her last works. It is the use she does of such scarcity which reinforces the concept of medium transference and approaches her painting to traditional photography.

The subject of past remains, although it is in the resent time that her work fulfils itself. By reassuring the existence of painting, it is now that she aims to get her conceptual update. It photography, video and all new technologies may sometimes leave traditional fine art mediums aside, it is often to notice that they may be reborn in the work of some artists who bring a new vision to pictorial images.

Having an outstanding brush skill at oil painting (utterly traditional means in fine arts History) and also keeping herself faithful to image reproduction school, penter demonstrates that a renewal is always possible by enhancing her paintings through operational concepts such as medium transference, repetition and focus shift..

She plays an illusionist game with photography, where she starts with small watercolour and then moves on to large canvasses upon which she transfers images which slide from one medium to the other and thus acquire new meanings throughout this path. We consider that photography itself does contain the specificity of recording the passing of time, once each photo is material evidence of a moment that no longer exists. We also say that oil painting represents a permanency symbol in our culture. On transiting from one medium to the other she portrays the ambiguity of our time.

Repetition as an operational concept is not clearly evident in each one of her works but it isa present on the whole of the exhibition. It does not build itself by continuous or intentional duplicating the images but rather by the search of the several images used, some of which bear an inner rhythm from the body, from gestures or looks. The intrinsic repetition in each chosen photo is enhanced when the images are enlarged, cropped and displayed side by side.

The shift of focus happens as what is accessory in photography becomes the main subject in painting and sets a mobility in which the eyes are never safe enough: there is always a possibility of mistake. Dubieties point and enrich her purpose. What we see in the painting is not what the photo had once shown. The change of scale, for instance, works as a tool to address visibility to what was formerly insignificant. The new focus of interest is what the artist can perceive in that image, the mystery that has been raised by her eye and to which she wants the viewers complicity. By doing so, ordinary legs, rhythmic self-conscious crossed arms, eyes that stare into ours and female figures detached from a predominantly male posse can be seen as enigmas to be deciphered.

* Art Critic and Researcher

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Cruzamento de tempos/Cruzamento de meios
Por Maria Amélia Bulhões, PhD*

Em sua primeira exposição individual, Marta Penter mostrou diversos conjuntos de malas antigas. Um desejo de viagem no tempo retomado nessa segunda mostra. Com uma espécie de intuição de que o passado permanece muito mais vivo no presente do que se costuma observar, a artista conduz suas obras, fugindo da instauração de um ideal utópico para afirmar a complexidade de todos os tempos.

A maioria dos autores concorda com o princípio da existência de uma memória coletiva, que registra uma sucessão de fenômenos através de meios de comunicação, de instituições dedicadas a isso, como os museus, e mesmo através da transmissão oral. Concordam ainda com o fato de que cada indivíduo constrói, a partir de suas experiências pessoais, uma memória individual. É interessante observar como Penter entrelaça essas duas memórias. Ela trabalha de uma maneira intimista sobre memórias que não são suas. As fotos que utiliza como base visual para sua criação não fazem parte de seu passado pessoal, são fragmentos do passado coletivo de uma comunidade social. Entretanto, ela escolhe fotos que documentam momentos íntimos daquele grupo, que resgatam experiências de convívio. As cenas são vistas pela artista com um olhar afetivo, buscando reativar um tempo que não existe mais. Segundo ela \\\\\\\'a memória é em branco e preto\\\\\\\', o que a leva ao abandono das cores ainda presentes, de forma sutil e quase monocromática, nas telas da exposição anterior. O uso que faz dessa escassez de recursos reforça o conceito de transferência dos meios, aproximando sua pintura da fotografia mais tradicional.

O tema do passado permanece; é no presente, entretanto, que sua obra se realiza. Ao reafirmar a vigência da pintura, a artista busca sua reatualização em termos conceituais. Se a fotografia, o vídeo e todas as novas tecnologias parecem, às vezes, deixar à margem os meios tradicionais das artes plásticas, percebe-se que eles renascem na obra de alguns artistas que insuflam nova força nas imagens pictóricas. Com um exímio trabalho de pincel com tinta a óleo (meios dos mais tradicionais da História da Arte) e, mantendo-se fiel à linhagem da reprodução de imagens, Penter mostra que é sempre possível inovar, atualizando sua pintura através de conceitos operacionais, como transferência de meios, repetição e deslocamento de foco. 

Efetuando um jogo de ilusões com a fotografia, de onde parte para pequenas aquarelas e, depois, para imensas telas, ela realiza transferências ao fazer a mesma imagem deslizar de um meio para o outro, adquirindo nesse percurso novas significações. Consideramos que a fotografia contém em si a especificidade de marcar a passagem do tempo, pois cada foto é a prova material de um momento que não existe mais. Consideramos, também, que a pintura a óleo representa, em nossa cultura um símbolo de permanência. Na transição de um meio para outro, ela documenta a ambigüidade de nosso tempo.

A repetição como conceito operacional não se evidencia claramente em cada uma das obras, mas presentifica-se no conjunto da exposição. Ela não se constrói pela duplicação continuada e intencional de figuras, mas pela busca, nas inúmeras imagens manuseadas, daquelas que evidenciam um ritmo interno, seja de corpos, de gestos ou mesmo de olhares. A repetição intrínseca em cada foto selecionada se potencializa quando essas imagens se ampliam seccionadas e colocadas lado a lado.

O deslocamento de foco ocorre na medida em que o acessório na foto passa a núcleo na pintura, estabelecendo uma mobilidade em que o olhar nunca fica seguro: há sempre presente uma possibilidade de engano. Dubiedades pontuam e enriquecem sua proposta. O que se vê na pintura não é o que a foto revelava. A alteração de escala, por exemplo, funciona como ferramenta para imprimir visibilidade ao que antes era insignificante.O novo foco de interesse é o que a artista pode perceber naquela imagem, o mistério que despertou seu olhar e para o qual ela quer a cumplicidade do espectador. Assim, simples pernas e braços cruzados em forma contida e rítmica, olhares de pessoas que nos fitam diretamente, ou fragmentos de figuras femininas destacadas em um grupo predominantemente masculino podem se constituir em enigmas a decifrar. 

* Pesquisadora e crítica de arte